20/06/2023

De Pedrouços, na Maia, saem todos os anos milhares de manjericos para todo o país – e ultrapassam até as fronteiras, alimentando com tradição a saudade que, por esta altura, se espalha ainda mais pelo mundo. Há 30 anos que Joaquim Araújo cultiva um dos maiores ícones dos Santos Populares. Este ano, são 40 mil as plantas que sairão da sua casa, rumo à morada de muitos portugueses.  

 

Os Bombeiros Voluntários de Pedrouços talvez não tenham consciência, mas, paredes meias com o quartel, vive um dos maiores tesouros da terra, que mais se faz notar nesta época do ano. Na rua que tem nome de escritor (Luís de Camões), a epopeia é outra: a de cultivar, com carinho e atenção - e todos os anos com a mesma convicção - um dos símbolos maiores das festas populares.  

 

Joaquim Araújo, o “Camões” desta verdadeira aventura, é o proprietário da (sempre) épica plantação verde que se vê o dobrar da esquina. Por entre um trator pronto para o que der e vier e uma mão cheia de carrinhas de caixa aberta, há, ao fundo, um grande manto. Fofo. A perder de vista. Uma espécie de nuvem gigante de algodão doce, que dá vontade de experimentar. De sentir. De meter a mão, à confiança. 

 

 

Joaquim anda nestas lides há 30 anos. Tem, hoje, 59. Começou por curiosidade, através de um vizinho que, sem esperar, o tornou num dos maiores produtores de manjericos a nível nacional. “Deu-me cerca de 100 pés desta planta e, na altura, achei engraçado”. Deixou-se cativar pela forma arredondada, pela folha miudinha – “que é a original, apesar da folha larga que já se vê aí, à venda” -, pelo odor que deixa no ar.  

 

Por carolice, percebeu que a produção que outrora era encarada como “estando em decadência” podia, afinal, ter uma nova vida. “É uma cultura exigente, que precisa de alguns cuidados, desde que germina até ao envasamento”, assume o proprietário. O processo começa em fevereiro, com a plantação das primeiras sementes, escolhidas das melhores espécies recolhidas no ano anterior. “Plantamos aquelas que, neste mês, são maiores. Porque há plantas de diferentes dimensões”. Em março plantam outras, em abril novos exemplares. Para chegarmos a junho e vermos manjericos de todos os tamanhos. 

 

Detalhes de uma planta com (vários) sentidos 

 

Nos últimos dias, as mãos quintuplicaram, a ajuda chega de todos os lados – dos filhos, que tiram férias nesta altura do ano, dos sobrinhos e dos vizinhos - para dar resposta a todas as encomendas. Todos se organizam como uma verdadeira orquestra. Por dia, saem desta pequena quinta quase um milhar de exemplares, com destinos muito variados. Transportados em carrinhas e devidamente acomodados, porque o manuseamento da planta é um dos segredos do sucesso. “É importante saber quando a planta pode ser retirada da terra. Quando é arrancada, é preciso providenciar a humidade suficiente para que não sinta o stress para a mudança do vaso”, revela-nos o produtor. 

 

 

Até hoje, este produtor só encontrou uma pessoa que, abertamente, desdenhou a planta. “Precisamente pelo cheiro”. Não gostava. Mas a sabedoria popular nem sempre é uma verdade absoluta. O proprietário torce o nariz a cenários feitos, histórias que passaram de geração em geração.  

 

“Não há mal nenhum em cheirar o manjerico diretamente”, começa por dizer-nos. “Há um mito que diz que devemos cheirar apenas com a mão, mas não é verdade”. Afinal aqui podemos meter o nariz. Mas a mão também. “É como se isso permitisse partilhar o cheiro com mais pessoas”. Tocar é deixar que exale um odor inconfundível.  

 

 

Mas há mais: a planta funciona como repelente para melgas que nos infernizam as noites de verão. “Por ser uma planta aromática, acaba por afastar os insetos”. Aliás, os agricultores usam com frequência as plantas aromáticas para afastar as pragas das diferentes plantações.  

 

E o manjerico é, comprovadamente, uma planta afrodisíaca. “E comestível”, acrescenta Joaquim, a rir.  

 

Truques para um manjerico mais duradouro 

 

Há, no entanto, segredos que podem ajudar a fintar o tempo – e fazer com que o manjerico tenha uma longa vida, “de seis a sete meses de vida”. Ou seja, que viva até ao Natal.  

 

“Mudar de vaso é um dos truques. Quando ele é mais pequeno, podemos mudar o recipiente, o que vai fazer com que crie raízes e se desenvolva novamente”.  

 

 

Joaquim deixa outras dicas: “estar numa varanda e apanhar o sol da manhã e do fim de tarde, nunca ultrapassando as temperaturas de 25 ou 26 graus”. Para que cresça uniformemente, e se mantenha com vida, é bom que apanhe “sol a toda a volta”.  

 

“E nunca lhe dar água a mais”, revela Joaquim. A planta saberá mostrar quando precisa de ser regada. Basta estar atento aos sinais que ela vai dando – como em tudo na vida, também aqui os detalhes fazem a diferença.  

 

 

De fevereiro a junho, o agricultor (que também é solicitador) dedica-se a esta paixão, depois do dia de trabalho. É a chamada “época alta”. Durante a temporada baixa, não deixa de pensar nos manjericos. Ocupa os meses de outono e inverno a escrever as quadras que os acompanham e que, agora, encontramos nas bancas das festas da aldeia, da vila ou da cidade. Mais ou menos jocosas, sempre brincalhonas, românticas quanto baste. “Há muitos anos que faço isto”, diz-nos.  

 

A inspiração é natural. Está-lhe no pensamento. Quiçá no sangue. É como uma declaração de amor à sua planta de eleição, a perpetuação de uma paixão que não esmorece, que não perde fulgor, mesmo nos meses de acalmia. São 30 anos de devoção, da missão de tornar a festa dos outros ainda mais memorável. 

 

Vou dizer ao meu amor 

Fica comigo a bailar 

Beijos eu só lhe darei 

Se comigo for casar 

 

Tua boca lembra um cravo 

Viçoso, pedindo beijos 

Desta sede, que em mim trago 

Só ela mata os desejos 

 

(as quadras aqui reproduzidas são da autoria de Joaquim Araújo) 

 

Texto: José Reis

Fotos: Rui Meireles

 

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