Numa cidade que vive a mil à hora, como é o Porto, um jardim é o convite perfeito para parar e desfrutar de um momento em contacto com a natureza (e até connosco). A artista urbana Mura, que há dois anos pintou um grande jardim nas Escadas do Monte de Tadeu, voltou a este local para dar novas cores (e flores!) a um espaço de todos nós. O resultado já pode ser apreciado na Rua de Anselmo Braancamp.
O melhor elogio que Mura recebeu, logo após a conclusão da intervenção na Rua de Anselmo Braancamp que durou mais de duas semanas, foi este: “Quantas vezes é para regar [este jardim] por semana, menina?”. A pergunta, feita em jeito de brincadeira pelo vizinho proprietário de uma drogaria, tem como resposta um sorriso rasgado desta jovem artista brasileira que, nas últimas duas semanas, voltou a instalar o “jardim dos seus sonhos” nos pisos que compõem a Escadaria de Monte do Tadeu.
O local não lhe é estranho: há uns anos que, naquele local, fez nascer um outro “jardim”, com tulipas de grandes dimensões, sob um extenso manto verde. Até porque, admite, “as tulipas no Porto são diferentes das que eu conhecia, é incrível como elas conseguem resistir ao frio”. Naquele ano, a dedicatória foi para elas.
Agora, quando o desafio surgiu por parte do Programa de Arte Urbana do Porto, acompanhando mais uma edição da exposição BALUARTE, lembrou-se de viajar novamente à memória mais longínqua (mas também mais presente) destes anos em Portugal, e decidiu destacar ainda mais o elemento que esteve sempre lá desde o primeiro minuto.
“A natureza sempre fez parte do meu trabalho, mas quando cheguei aqui, uma das coisas que achei mais engraçada foi o maracujá”, destaca. “Ao contrário do fruto no Brasil, este é diferente, na cor, no tamanho. Então, quando surgiu a oportunidade, a ideia foi aprofundar ainda mais esta mistura de culturas, juntar tudo o que eu sentia das minhas raízes ao encontrar o espaço que hoje habito”, acrescenta.
Maracujás e a flor que lhes dá vida
Ao longo de duas semanas e meia, por entre o sol quente e a chuva intensa, com níveis e desníveis mais ou menos acentuados, Mura foi renovando este jardim com novas cores. Para além das tulipas, que se mantêm vivas, o maracujá ganhou o estatuto de fruto residente, acompanhado pela flor (gigante) que lhe dá vida: a chamada “flor da paixão”.
“Nesta intervenção tentei fazer flores com maiores dimensões, já que estou numa fase do meu trabalho mais amadurecido. É uma forma das pessoas se sentirem acolhidas por este jardim, como se fizessem parte do mural como uma extensão da casa delas”, resume Mura.
Esse sentido de identidade, de entreajuda, de vizinhanças, sentiu-o em pequenas (grandes) coisas. Para Mura, representam o melhor barómetro para atestar a validade da obra. “As pessoas que vivem aqui vinham até cá, traziam-me café, alguma comida, ficavam comigo a conversar. Pediam-me que não apagasse as flores, que gostavam muito de as ver”.
Essa vontade rapidamente se tornou uma missão (ou essa missão sempre esteve lá…) e rapidamente construiu um jardim que “engole” quem se aventura escadas acima – e abaixo. É como se entrássemos nesse reino natural onírico pensado pela artista, onde as cores e as formas convidam a um verdadeiro “mergulho na natureza”. “Gosto sempre de potenciar, de uma forma muito singular, a relação do ser humano com a natureza”.
Mas atenção: para ver esta obra na sua totalidade, Mura delineou uma estratégia, que pode bem ser o segredo mais bem guardado desta obra: no meio da rua que desemboca na escadaria, há uma ligeira marca no chão, no meio da via, que identifica o lugar certo para admirar este jardim.
Depois de encontrar essa marca, basta posicionar-se ali, não sem antes estar atento ao trânsito que por ali circula. Naquele momento, os pisos deixam de existir, as escadas passam a ser planos e, de forma tridimensional, o jardim ganha vida na sua totalidade. Sem quebras, sem recortes. Uma flor da paixão gigante que envolve a comunidade nesse amor por quem passa.
Texto: José Reis
Fotos: Rui Meireles