“Diferente no apoio à diferença” é o lema da ADADA, a Associação de Desporto Adaptado do Porto, que está a celebrar a primeira década. Um caminho, nem sempre reto e muitas vezes sinuoso, em defesa das pessoas com deficiência.
Aqui, independentemente das particularidades de cada um, todos são iguais e olhados como pessoas capazes. Há sempre uma mão disponível para o que for necessário.
Fundada em 2014, contavam-se então pelos dedos de uma mão os atletas que representavam a Associação de Desporto Adaptado do Porto nesse primeiro ano. Atualmente são mais de 200 e a atleta mais nova chegou ainda bebé.
A natação adaptada foi a primeira modalidade da ADADA, ainda hoje é a mais representativa, mas nos últimos anos a oferta cresceu. À natação juntou-se a patinagem, o boccia, o futebol, o badminton, a atividade física adaptada e a equitação.
A ADADA trabalha cinco grandes áreas de deficiência: motora, paralisia cerebral, mental, visual e auditiva. A história da primeira década da associação também pode ser escrita em números: 71 atletas de competição, 5296 inscrições em provas, 2191 recordes pessoais e 201 recordes nacionais.
Números que têm, direta ou indiretamente, a mão de Pedro Lima, para quem, o mais importante não são os resultados desportivos, mas sim que os atletas e alunos saiam de casa, possam conviver com outras pessoas. Coordenador técnico da Associação de Desporto Adaptado do Porto, também é treinador de natação. Está na ADADA desde o primeiro dia, faz parte da equipa fundadora e apresenta-se como um “faz tudo”.
A Associação de Desporto Adaptado do Porto foi fundada em novembro de 2014. Qual o objetivo e em que contexto foi criada?
A ADADA surge na sequência de um projeto de natação adaptada, que já existia num clube da cidade do Porto. Naquela época tinha apenas quatro ou cinco nadadores e sentiu-se a necessidade de robustecer esta resposta e alargar a mais praticantes. O clube não tinha condições estruturais para que isso acontecesse e os pais dos alunos, que faziam parte desse projeto, lançaram a ideia de se constituir um clube exclusivamente dedicado à prática desportiva para pessoas com deficiência. Assim, surgiu a ADADA. Durante esta década o salto foi muito grande, em termos qualitativos e quantitativos. Passamos de cinco alunos para quase duzentos e em várias valências. Temos a natação, a patinagem, o boccia, o futsal, um centro de atividades pós-letivas… No fundo, estamos aqui para cumprir a nossa missão: a divulgação e a promoção do desporto adaptado.
O que é que a ADADA representa para estes atletas e para todos os que frequentam a associação?
Podia contar muitas histórias que demonstram o que o clube representa na vida destes atletas e alunos. Ainda nestes dias, o pai de um aluno que frequenta o centro de atividades pós-letivas confidenciava que o seu filho tem um comportamento diferenciado pela positiva neste centro e é o único local onde ele manifesta este comportamento mais adequado. Não percebemos ainda porquê, mas provavelmente será por ter o tempo mais preenchido, por se sentir valorizado. Esta é uma das nossas grandes preocupações, fazer os alunos perceberem que são capazes. Acreditamos que este será um dos motivos de algum sucesso que nos queiram atribuir.
Atualmente a ADADA tem 200 atletas, quais as idades médias?
O aluno mais novo começou a trabalhar connosco quando tinha 9 meses, é uma menina e neste momento tem quase dois anos. Mas temos muitos atletas mais velhos, nomeadamente entre os jogadores de boccia, alguns são bem mais maduros e experientes. No entanto, cada vez mais temos alunos muito jovens e isso tem a ver com a preocupação das famílias em encontrar respostas que sirvam para o desenvolvimento dos seus educandos.
Relativamente às modalidades, a oferta cresceu nos últimos anos e também já têm psicomotricidade, equitação e patinagem. Sentiram necessidade de alargar a oferta?
A ADADA começou só com a modalidade de natação, para dar uma resposta de continuidade ao projeto que já existia. Mas fomos percebendo que fazia sentido alargar a oferta, até porque houve alguns projetos, nomeadamente de boccia, que foram descontinuados e deixou de existir uma resposta local. Com o apoio da Ágora, através do programa Retoma Desporto, conseguimos comprar os capacetes e equipamentos de Boccia, que são muito caros. E assim, com este apoio, pudemos alavancar esta modalidade. Também contamos com o apoio da Junta de Freguesia de Campanhã, que nos ajudou a adquirir a carrinha adaptada para transporte de cadeiras de rodas. Neste momento, contamos com 16 jogadores de boccia, oito com deficiência motora, que são federados na PCAND (Paralisia Cerebral Associação Nacional de Desporto) e oito com deficiência intelectual, que irão participar no quadro competitivo da ANDDI (Associação Nacional Desporto Desenvolvimento Intelectual). É um grupo numeroso, para uma modalidade muito específica, que exige recursos humanos e financeiros significativos. Mas é um desafio interessante.
Em termos de atletas, conquistas e participações em provas, somam muitas conquistas?
Temos tantas conquistas, a nível nacional e internacional. O boccia é recente, tivemos a primeira prova a sério no início de novembro, no Seixal, e dois jogadores venceram nas suas classes. O que foi ótimo. Para um atleta o resultado desportivo é sempre o objetivo final, mas, o que importa é que eles saiam de casa, participem, convivam uns com os outros e com outros. Na natação, desde 2014, que temos tido, todos os anos, presença em Campeonatos da Europa e Campeonatos do Mundo e, às vezes, mais do que uma participação por ano. Temos conseguido resultados muito interessantes, obtidos por um conjunto muito alargado de nadadores. Temos uma nadadora, a Renata Pinto, que foi medalha de bronze no Campeonato da Europa para a deficiência motora. Recentemente, o Francisco Montes foi vice-campeão do mundo de natação, no campeonato da DSISO para atletas com síndrome de Down, que se realizou na Turquia. O Francisco também foi campeão da Europa, há quatro anos. A nível nacional, a nossa equipa feminina é hepta campeã nacional, de natação adaptada. Tem corrido muito bem.
És o coordenador técnico da ADADA, mas a ligação à associação é bem mais antiga?
Eu era o treinador do grupo que estava no clube que deu origem à ADADA e acompanhei o processo de transição. Estou desde o primeiro dia. Não sou um dirigente, gosto mais de dizer que sou um faz tudo. É uma missão e sem querer pessoalizar, o Pedro Lima é só uma pessoa e a ADADA é uma instituição, fui-me obrigando a adaptar as minhas funções à medida das necessidades que foram surgindo. Tem sido muito gratificante ver o projeto a crescer e alargar o número de modalidades, o número de praticantes, os resultados. E, principalmente, no reconhecimento que as instituições têm daquilo que é o desporto adaptado.
Pensas que a ADADA tem sido importante para o reconhecimento do desporto adaptado?
Gostava de acreditar que sim, apesar de ainda haver um trabalho muito grande para fazermos. Começamos a perceber que o nosso papel era muito importante. Em colaboração com a Ágora, temos o Programa Missão Férias Porto. No primeiro ano, tivemos uma intervenção não só ao nível de enquadramento dos alunos, mas também de sensibilização junto dos outros participantes do programa. Foi muito interessante, percebemos que havia uma recetividade e um desconhecimento muito grandes por parte de muitas pessoas no que diz respeito à deficiência e à importância dos programas de formação desportiva para estas pessoas. Mas, nos últimos dois anos, temos sido insistentemente solicitados para ir a escolas, fazer palestras, demonstrações, promover ações de intercambio entre os alunos e os nossos atletas e isso é muito importante, porque estamos também a desmistificar aquilo que é a deficiência. Esta é uma intervenção muito importante, porque vai permitir que a inclusão deixe de ser uma palavra só e deixe sementes junto dos mais novos e, talvez mais tarde, alguns deles vão amadurecendo estas experiências e percebendo que há pessoas diferentes, mas que são pessoas e pelo facto de não falarem ou terem um comportamento ou atitudes que não são normativas, têm a sua forma de comunicar, de interagir e são pessoas capazes como qualquer um de nós.
Sente que ainda existe algum estigma relativamente a pessoas com deficiência? São olhados por muitos como “coitadinhos”?
Há, há… Ainda há algum estigma no exterior. Não digo que exista algum tipo de malícia, mas ainda há quem olhe como os coitadinhos. Recordo-me de uma experiência que tive quando fui com um nadador a Split, em 2016. Fizemos escala em Frankfurt e no aeroporto tínhamos oito pessoas à nossa espera: três no elevador, um motorista do autocarro, mais um acompanhante e mais três pessoas no lounge vip, porque o atleta estava numa cadeira de rodas. Eu não me senti bem, há que criar condições, é obvio, mas senti que era um tratamento demasiado diferente. Tem de ser diferenciado, mas na medida do necessário. Não ser mais nem menos do que os outros. Aliás, quem tem algum tipo de deficiência e, nomeadamente, a deficiência motora, não gosta de uma ajuda excessiva, são autónomos e se precisarem de ajuda pedem.
A ADADA está a celebrar a primeira década, o balanço é positivo?
É muito positivo. O processo não fácil, não é um mar de rosas e, muitas vezes, os insucessos são mais do que os sucessos. Mas, aqui, acreditamos sempre que todos são capazes. Muitas das vezes, as famílias, quando se confrontam com a realidade de ter um filho com deficiência, não acreditam, fazem-nos duvidar, porque ouvem muitos nãos desde o início. E nós, não podemos dizer um sim muito redondo, para não criar falsas espectativas às pessoas, mas podemos transformar o não num nim. Aqui, têm sempre todas as mãos e o apoio necessário para serem o que quiserem ser. Nunca ninguém sonharia ou diria há 10 anos, que neste momento estaríamos como estamos agora.
Daqui a dez anos como gostavas de ver a ADADA?
Eu tenho um sonho, que já foi verbalizado à data da fundação da associação. O nosso primeiro presidente, o Fernando Eusébio, dizia que gostava que a ADADA fosse gerida por pessoas com deficiência. O sonho mantém-se. Neste momento, já temos três: o nosso administrativo é atleta da ADADA, um dos técnicos é nosso atleta e um estagiário também é atleta. Temos três pessoas com deficiência em lugares chave da associação. Recentemente, houve uma alteração dos estatutos que prevê que os alunos, atletas com deficiência motora possam integrar os órgãos sociais, é mais um passo no sentido de que as pessoas com deficiência tenham uma voz ativa. Temos aqui pessoas muito validas, licenciadas, com mestrado, com formações das mais diversas áreas que podem dar uma contribuição muito positiva e que promova este projeto.
Texto: Rute Fonseca
Fotos: Nuno Miguel Coelho