Nas quatro zonas de diversão espalhadas pela cidade, contam-se os minutos para começar a maior noite do ano. Tudo a postos, coragem em níveis máximos para uma noite que, para muitos, só termina já a manhã vai alta. Por tradição, são locais de passagem (e paragem) obrigatória, nessa mítica viagem “da Ribeira até Foz” (com os devidos desvios nessa rota). Colocamo-nos a caminho e, a poucas horas da noite que não dorme, passamos pelos espaços que nos alimentam as memórias (e os cinco sentidos).
Paragem 1: Alameda das Fontainhas
A velocidade a que coloca e tira as sardinhas do assador faz adivinhar um número grande de pessoas no interior do espaço de restauração. Francisco fala devagar, como se cada palavra fosse intervalada por um virar de sardinha. “Este ano estão boas, uns dias são maiores, outros dias mais pequenas, mas sempre boas”. O fumo sobe, coloca-se mais meia dúzia de pimentos a assar. Há mais uma travessa a sair, uma pirâmide de sardinhas para a mesa do fundo. “É assim todo o dia e à noite será ainda pior”. Pior para os nervos, que tentam responder sempre no imediato, melhor para as contas, a respirar boa saúde.
Este ano, no Restaurante Romeiro Lavrador, o mais antigo estabelecimento presente no São João das Fontainhas – “vimos cá há mais de 50 anos!” -, cada sardinha está a ser vendida a 2 euros. Mas depois compensa-se com a dose, “10 sardinhas, uns pimentos e batatas cozidas ou assadas”. 20 euros por tudo, um negócio mais em conta.
Francisco Alves toma as rédeas do negócio. Se expectativas houvesse para a maior noite do ano, ela é apenas uma: a de “trabalhar”. Muito. O dia será intenso, mas a noite não promete ser melhor. “Será a confusão geral, já estamos habituados, mas não há melhor São João que este, nos Fontainhas. Venham”, lança. “Estamos aqui para servir, apesar da fila”. Porque nestas coisas, já se sabe: o bom é muito frequentado e a pressa é inimiga da perfeição – porque assar bem leva tempo e degustar a iguaria deve ser feito com todo o tempo de mundo.
Paragem 2: Jardim do Calém
Maria Cristina, que dá nome à roulotte, é, afinal, a mãe de Maria do Céu, a filha, que sorri por trás do balcão. Herdou o velho saber da mãe que, por vontade própria – “o meu pai não queria muito continuar” -, decidiu passar o negócio a quem melhor podia cuidar dele. Maria do Céu é, hoje, o rosto das Farturas Maria Cristina, “as melhores farturas da cidade”.
É a responsável por manter intacta a receita das “melhores farturas do São João”. “Acho que a mais-valia do nosso produto é a qualidade. As nossas farturas não são gordurosas, são sequinhas, porque temos uma grande preocupação com o que compramos”, assume.
E quando o palato reconhece várias vezes o mesmo sabor, é sinal de que algo está a ser bem feito. “As pessoas repetem e repetem, voltando todos os anos”. É como uma relação de amizade, um laço de família, uma fidelidade que não quebra. Maria do Céu está no Jardim do Calém há uma semana e já reviu muitos dos velhos conhecidos. A juntar aos clientes de sempre, os passantes sazonais que param, olham, questionam e provam. “Os turistas são muito curiosos e consomem esta nossa tradição”, assume, perante o olhar do marido, que verifica a temperatura do óleo para mais uma remessa de farturas feitas na hora.
Deixa o aviso: “estamos com tudo preparado para a grande noite, seremos oito pessoas aqui a trabalhar, para dar o despacho devido à grande procura”. Maria do Céu sabe que, mesmo na noite mais concorrida do ano, “esperar” é verbo que não se quer conjugar. Talvez apenas no passado, quando tiverem na mão a desejada fartura e perceberem que, afinal, “valeu a pena esperar”.
Paragem 3: Avenida D. Carlos I (Passeio Alegre)
Há quem diga que a tradição já não é o que era e, talvez por isso, há quem opte, em noite de sardinhadas, grelhados e frituras várias, por um cachorro-quente ou um exótico kebab. Conceição Teles está lá para isso. “Há dez anos que venho ao São João do Porto”. Na Avenida D. Carlos I, com o mar de fundo instalou o seu “Hot Dog King” para satisfazer os desejos de quem por ali passa. “Temos hambúrgueres, pregos, bifanas…”, enumera, perante o olhar atento da pequena neta.
De Guimarães desloca-se ao Porto porque o negócio ainda compensa. “Mas não é à custa dos portugueses, porque se fosse só por esses, já não estava aqui”, solta, em gargalhadas. Salva o negócio os turistas que, às centenas, passam pela zona do Passeio Alegre em caminhadas pela cidade. “É uma zona que eu gosto, vim para aqui a primeira vez e gostei”. Há dez anos que repete o lugar e os preços têm oscilado pouco. “Temos feito os mesmos valores do ano passado”, entre os 5 euros por um cachorro ou hambúrguer atá aos 7 euros por um kebab.
A poucas horas da grande noite, que se espera quente e longa, está tudo preparado. “Se eu não estivesse preparada, quem estaria?”, atira. Espera uma noite boa, “muito boa até”, e promete fazer jus ao nome do espaço: nesta noite, quer ser o “rei” (ou a rainha) da comida de rua.
Última paragem: Rotunda da Boavista
Um clássico entre o FC Porto e o Benfica é coisa para nos deixar agarrados horas a fio a uma partida de qualquer modalidade. Todos temos o clube do coração e todos queremos transportar isso para uma simples partida entre amigos. “Ainda experimentamos colocar aqui equipas estrangeiras em confronto, mas a procura era sempre a mesma”. Porto – Benfica. Ângela Peixoto vende fichas como quem despacha contas de somar, troca notas por moedas, moedas por fichas, alimenta os sonhos de várias idades.
A empresa Pavilhões Peixoto está novamente na Praça de Mouzinho de Albuquerque (mais conhecida como a Rotunda da Boavista) para possibilitar a desforra pelo jogo que não teve o resultado desejado, no ano anterior. “Há quem volte cá todos os anos, há quem experimente pela primeira vez”. Num pavilhão comprido, aberto à festa, há 30 mesas de jogos todas alinhadas. “Há oito anos que aqui vimos e temos reparado que há pessoas cada vez mais novas, que vêm experimentar o que aqui temos, e turistas, muitos brasileiros”.
Cada partida custa 1 euro, quanto mais jogar mais hipóteses temos de ganhar – e até há desconto para quem comprar em quantidades generosas. “Na noite de São João temos as mesas todas ocupadas, cria-se um ambiente muito engraçado”. Entre a música do palco ao lado, gritos de vitória, pedidos para se repetir a última jogada. “Se vale a pena cá vir? Ah, sim, vale a pena, claro!”. Mesmo que o São João seja passado a trabalhar? “Mesmo assim, ajudamos a que os outros tenham uma festa mais animada”. E, sem ninguém ver, também conseguem comemorar o santo da cidade, nos intervalos de uma noite sem horas para terminar.
Texto: José Reis
Fotos: Rui Meireles