Por muito que os artistas mudem e que as exposições sejam renovadas, há uma atividade que tem lugar cativo na programação das Inaugurações Simultâneas de Bombarda: as visitas guiadas. Sempre com duas sessões por edição, esta é a iniciativa que melhor introduz os visitantes no espaço criativo dos artistas. Cabe a Elis Cravinho, Carolina Freire e Beatriz Walgode guiar os visitantes (inscritos previamente) por este verdadeiro “rodízio” para os sentidos. Fomos conhecê-las, dias antes de mais uma edição.
Pelas contas que faz de cabeça, Elis Cravinho só faltou a uma edição das Inaugurações nos últimos dois anos. No total, foram dez os eventos em que participou, sempre com a mesma motivação do primeiro dia. “Mas com menos nervosismo”. Elis tem 21 anos e nunca tinha ouvido falar da Rua de Miguel Bombarda, nem do quão artística e cultural é esta zona. Natural do Brasil, chegou a Portugal há dois anos para frequentar o curso de Artes Visuais e Tecnologias Artísticas na Escola Superior de Educação (ESE) do Instituto Politécnico do Porto. Em setembro desse ano dava os primeiros passos no curso, em novembro seguinte estava já a fazer a primeira visita guiada da sua vida.
“Foi uma oportunidade que surgiu na sala de aula, por parte de uma professora. Tento participar em tudo o que acontece na faculdade e decidi experimentar”. Para Elis esta foi a estreia absoluta. “Ainda me lembro desse primeiro dia, em que tive de fazer a visita em dois idiomas, inglês e português. Estava super nervosa. Mas, no final, acabou por ser agradável”.
Elis é, juntamente com Beatriz Walgode e Carolina Frade, as caras e vozes que conduzem os visitantes que, a cada dois meses, querem saber mais das diferentes inaugurações (simultâneas) em Miguel Bombarda.
Frequentam o mesmo curso, apesar de estarem em anos de formação diferentes. Elis começou primeiro, Beatriz e Carolina depois, influenciadas pela primeira. A uni-las está o gosto pela arte, pelo desconhecido, pelas novas visões de uma realidade que cresce no meio delas. Estão lá pela vontade de conhecerem mais, de entrarem na mente de um artista que, tal como a delas, não tem limites.
Um mergulho no universo dos artistas apresentados
Sem saber, Elis acabou por abrir caminho a um “maravilhoso mundo novo” a Beatriz e Carolina, ambas de 21 anos. “Confesso que, nesta zona, apenas conhecia o Museu Nacional Soares dos Reis”, diz Beatriz. Já Carolina, nem isso. “Não sou de cá”, sorri.
O primeiro impacto com a rua foi agradável. Ali estava um “paraíso artístico” que dificilmente encontrariam noutro local, muito distante até dos livros que usam no dia-a-dia. A oportunidade de integrarem o lote de pessoas que orientam as visitas guiadas foi aceite quase sem pensar, movidas pelo entusiasmo de quem já o fazia anteriormente.
Mas, em comum, o nervosismo. Sempre esse nervoso miudinho que, ainda hoje, percorre o corpo de quem vai olhar, de frente, aquela pequena multidão. “É normal que seja complicado estar em frente a várias pessoas que olham para ti, à espera do que vais dizer. No final é sempre agradável, fiquei fascinada com a primeira experiência e nunca mais parei”.
Beatriz Walgode é, de há um ano a esta parte, elemento fixo nesta atividade. A forma como prepara cada visita continua a ser a mesma, desde a primeira sessão. “Esperamos pela informação que nos seja facultada por parte do nosso professor. Depois pesquisamos cada artista, cada exposição, cada linha artística. Tentamos colocar-nos no lugar dele, imaginando se é aquilo que ele gostaria de ouvir”, admite.
A presença do artista em muitas das exposições não faz diminuir essa expectativa, mesmo que lhe seja dada a palavra durante essa visita. “Há artistas que estão até mais nervosos que nós, que nos perguntam o que devem dizer”, ri Elis Cravinho. “É ali que percebemos que o artista é, afinal, igual a qualquer um de nós”.
Para que nada falhe, visitam as exposições um dia antes, aproveitam para ver com detalhe as obras, tirar dúvidas com galeristas e curadores, beber a informação possível para dar resposta ao que for solicitado. “Às vezes há questões muito específicas que não sabemos responder, mas aceitamos isso de forma muito natural. Este encontro acaba por ser um convívio com o público, interagimos com eles até sobre assuntos que nada têm a ver com as exposições”, atira Carolina Frade, para quem as conversas “tornam as visitas ainda mais relaxantes”.
Duas visitas, dez espaços, dezenas de visitantes
Em todas as edições há duas visitas agendadas: uma às 16h00, “quase sempre esgotada”, que sofre por ter um tempo contado para o final; e outra, às 17h30, “em que muitos aparecem sem inscrição”, mais relaxada, menos impaciente.
São sempre diferentes, consoante as pessoas que se inscrevem. O grupo nunca é igual, mesmo que, admitam, haja quem repita a experiência de dois em dois meses. “É normal reconhecermos algumas das caras, edição após edição”. Até porque, acrescenta Carolina, “no final de cada uma delas, gostamos de perguntar de qual gostaram mais, com o qual foram mais surpreendidos”.
Cada uma tem a lotação máxima de 15 elementos, o número ideal para ficarem bem acomodados no interior das galerias e não se perder a possibilidade de circular em cada espaço.
Uma a uma, percorrem mais de uma dezena delas, dividindo a apresentação das exposições pelas duas. “Geralmente dividimos por números, pares ou ímpares, mas, em muitos momentos, há galerias que queremos que fiquem connosco”, admite Beatriz. Como se a puxassem para si, com um simples piscar de olhos.
Porque, como todos aqueles que por ali passam, elas também têm o seu local favorito. Elis: “Pelos trabalhos de mix media que apresentam, eu escolho a REM Espaço Arte”. Beatriz: “A Galeria Adorna, por ser um espaço mais direcionado para a fotografia, que é uma área que me influencia no meu trabalho artístico”. Carolina: “Galeria 9:16. Pela possibilidade que a montra oferece a quem lá entra. É ampla e permite que sejamos parte da exposição”.
A edição agendada para este fim de semana tem mais uma novidade, introduzida há poucas edições: o acompanhamento em língua gestual portuguesa. Uma nova ferramenta para tornar as visitas mais inclusivas, mais abertas, um verdadeiro serviço público numa cidade cada vez preocupada com o respeito pela diferença.
Elis está de saída do projeto, a experiência de dois anos surtiu um efeito inesperado: “fui convidada por uma galeria para trabalhar nestes dias”. As visitas ficam agora entregues a Carolina e Beatriz, que prometem continuar, edição a edição, a ser uma espécie de farol para os visitantes das Inaugurações Simultâneas de Miguel Bombarda.
Texto: José Reis
Fotos: Ricardo Meireles, Nuno Miguel Coelho e Andreia Merca