João Domingos não esconde as cores do coração: “azul e branco”. Mas agora também se pinta de vermelho (“alaranjado”) e amarelo. Afinal, são estas as cores do Paraíso SC da Foz, coletividade que viu a fachada ser intervencionada por BIGOD (alter-ego artístico de João), a convite da Ágora para fazer parte do Programa de Arte Urbana do Porto.
Esta é a história de um convite para intervencionar a fachada de um clube com história no futebol de formação da cidade, mas é também a história de um ribatejano com coração a Norte. BIGOD até vive numa localidade que se chama (provocadoramente) Benfica do Ribatejo, mas a alma, essa, é totalmente “azul e branca”.
“Sou do Futebol Clube do Porto desde pequeno, devido ao hóquei em patins, por incrível que pareça. O meu avô era adepto do clube e eu herdei esse gosto. Atualmente só conheço seis ou sete pessoas do clube, mas, até por respeito ao meu avô sou, do FCP com orgulho”, assume o artista.
Curiosamente, a cor de que se fala – o azul – não se encontra na fachada do Paraíso Sport Club da Foz. João “engoliu” o orgulho da alma portista pelo respeito e carinho daqueles que tão bem o receberam. Sem receios, meteu as mãos no vermelho “alaranjado”, uma das cores do emblema deste clube histórico da cidade.
“Eu trabalho muito a partir da história e do passado das coisas. Neste trabalho, a ideia foi mesmo falar do clube a partir das suas conquistas e das memórias que cá habitam”, revela.
Para isso teve acesso ao arquivo desta coletividade, uma das maiores na história da formação de futebol na cidade, e através das fotografias concebeu um tributo ao trabalho que tem sido desenvolvido ao longo dos anos.
“Representei aqui uma equipa de futebol de jovens, para além de ter pintado a fachada com as cores do clube”, revela.
Apesar de alguns preferirem a fachada a branco – “porque não sabiam bem o que iria ser quando comecei a pintar” –, a verdade é que o clube, os jogadores e as famílias cedo entenderam que o que ali estava a ser feito era para o bem de todos.
“Vieram cá os pais, os avós, os mais novos… Tiraram fotografias, deram-me os parabéns… É incrível como aqui no Porto sou sempre bem acolhido, fazem-me sentir sempre como um deles”, diz João.
Aliás, conta o artista, “ao segundo dia, sem eu pedir, já chegava a cerveja, o pastel de bacalhau… É como se fosse realmente parte deste grupo”, revela, com orgulho.
Num trabalho que demorou quatro dias, as memórias ganharam forma, por entre olhares atentos, sorrisos rasgados e um agradecimento pela recordação que torna ainda mais luminoso o futuro de um clube com tradição.
“Esta é a maneira de estar na cidade. A forma de bem receber. Não é por acaso que a maior parte dos meus amigos são do Porto”, sorri. “Quem sabe um dia ainda possa viver aqui, porque é uma cidade que eu amo. Arranjo sempre pretexto para voltar”.
Depois de uma intervenção no Posto de Transformação junto à Alfândega do Porto, em 2022, e de uma nova proposta na Foz, neste ano, fica lançado o repto para um terceiro convite – que até pode vir acompanhado de uma carrinha de mudanças com viagem apenas de ida, entre Benfica do Ribatejo e a “melhor cidade do mundo”.
Texto: José Reis
Fotos: Rui Meireles