21/10/2024

A segunda edição da exposição de arte urbana terminou neste domingo. Ao longo das últimas duas semanas, muitos passaram pelo Silo Auto para apreciarem as propostas ali realizadas, piso a piso, e encontrarem, cara a cara, os artistas que aprenderam a admirar em obras de grande dimensão espalhadas pela cidade. No baixar do pano, nas últimas horas da exposição de arte urbana, fomos ao local com uma missão: descobrir quem fez esta mostra ganhar ainda mais sentido, entre artistas, interessados e meros curiosos.

 

A expressiva Lia Ravier (ler em francês) pode ser o exemplo vivo do alcance crescente da arte urbana: nasceu francesa, tem sotaque brasileiro e há quatro meses que vive no Porto. Tal como ela, esta arte que nasceu na rua não tem fronteiras, não têm línguas, não tem nacionalidade; tanto pode ser apreciada aqui como acolá, a poucos metros de nós ou a dezenas de milhares de quilómetros, sem ser necessária uma explicação, um enquadramento, uma história ou sequer uma legenda. Basta, apenas, existir, na sua diversidade de formas, na sua multiplicidade de cores, na sua amplitude de significados. Porque, tal como a(s) outra(s) arte(s) – a chamada conceptual, a moderna, a contemporânea ou mesmo a mais antiga -, também esta tem uma linguagem universal.

 

 

A meio de uma tarde de domingo que cobre o céu de cinzento, com um sol tímido que procura furar por entre nuvens densas, nas últimas horas desta edição da BALUARTE, Lia Ravier (ler em francês) vai, de banca em banca, descobrir o que os outros andam a fazer. Lá nos diz que não se identifica muito com a arte que se faz nos “museus”, sente-se mais próxima desta “forma de expressão”, “do grafitti e da pichação, como se diz lá no Brasil”, ri. Foi em busca dessa identificação que decidiu subir as escadas do Silo Auto e passar a tarde entre obras e artistas que lhe vão servir de inspiração, dê por onde der.

 

 

Não está sozinha. Com ela está Silvana Valente, print rosa-pálido na mão, acabadinho de comprar, que contrasta com o rosa forte que carrega (n)o olhar curioso. É a segunda vez que visita a BALUARTE, depois da edição feita em 2023 fora de portas, no Quartel de Monte Pedral. Um ano depois, revela, “sinto que foi feito um upgrade, não havia uma chillout area, não tinha o mercado, sinto que houve uma mudança”. E tudo isto “é ‘altamente’, pois permite dar visibilidade a um campo (artístico) que ainda sofre com algum estigma”, acrescenta. E há sempre margem para fazer mais, para a acrescentar mais dança, mais música, mais artes performativas. “Talvez para o ano”.

 

Artistas e público numa meia-lua de várias cores

 

De um lado, os curiosos, os interessados e até os amigos, uns atrás dos outros. Do outro lado, os artistas, os objetos, as inspirações. A exposição de arte urbana respira também este encontro informal entre pessoas, transpira esta contaminação positiva entre criadores e atores de uma jornada em constante mudança. Quem cria inspira-se em quem vê. Quem vê inspira-se em quem cria. É sempre assim, neste ciclo saudavelmente viciado a que se chama “vida”.

 

 

Constança Duarte (ou “Inconstância”, alter-ego artístico que nasceu há um par de anos) nem imaginava, em 2018, que, seis anos depois, estaria sentada, num domingo à tarde, no último piso do parque de estacionamento mais bonito da cidade. Quando começou, desconhecia o caminho que queria percorrer, pensava que a ilustração era a ordem natural das coisas. Puro engano. Hoje, a obra deambula entre o desenho, a risografia, o azulejo, a cerâmica. “Só em 2022 encontrei esse caminho, o de contar histórias através das técnicas manuais que domino”, assume.

 

 

Na mesa que ocupa no Mercado de Arte Urbana, um dos pontos de maior paragem nesta edição, apresenta os trabalhos mais recentes e ficou surpreendida com a receção do público. “Param, elogiam, trocamos histórias, sinto-me muito feliz por estar aqui”. A tal troca que a vida potencia, a influência positiva dos pares num mesmo local.

 

Exposição importante para a visibilidade artística

 

Entrar na BALUARTE é passar as portas de um mundo de faz de conta. Onde a realidade é traçada por artistas que transportam para as paredes a visão de um agora onírico, utópico, ideal. Percorrer as escadas de acesso público é viajar anos-luz. (Re)Parar nas cores, nas linhas, nos desenhos. Como se as paredes envolvessem o público num abraço, como se o que lá existe nos transportasse para uma história sem princípio e sem fim, só com um capítulo para viver aqui.

 

 

Para Mafalda Lima, o dia a dia da arte urbana não é novidade. E a BALUARTE também não. Visitou o espaço no primeiro fim de semana com um grupo de amigos, voltou no seguinte…, mas com um grupo diferente. Para a jovem estudante de maquilhagem artística, esta é uma forma de “valorizar a arte que não é tão respeitada ainda em Portugal”. “A interação que aqui se estabelece entre artistas e público é muito interessante. A mim interessa-me muito a exploração que se faz das cores e formas numa relação com a profundidade dos trabalhos”, assume.

 

 

Uma visão apoiada pela amiga Isabel Schrom, para quem o Porto só deve valorizar eventos como este. “Acho importante a cidade dar voz a estes artistas, até porque é uma cidade multicultural. É uma forma de encontro e partilha com as pessoas que realmente se interessam por esta arte”.

 

Mais adiante, um grupo de quatro amigos brasileiros coloca a conversa em dia. Roberta Primavera (que melhor nome para um evento onde a cor é a característica dominante?) lamenta ter perdido a primeira edição, mas esta segunda já não lhe escapou. Elogia o mercado, as “palestras bacanas” que ocuparam todas as tardes, o espaço escolhido. “Todo o programa é muito interessante. É a forma perfeita de evidenciarmos a arte que ocupa a cidade e que, muitas vezes, nem reparamos”.

 

 

“São as várias vozes que, todos os dias, nos interpelam e que vivem na cidade”, acrescenta o amigo André Sade, como uma nota de rodapé.

 

Opinião partilhada por Tânia Nóbrega, “uma apreciadora que está aqui também a trabalhar” numa marca que se associou à iniciativa, e que, apesar de ser de Lisboa, assume que não há “espaço igual no país”. “Amo o Silo, é um espaço super disruptivo e único no país”.

 

 

Do que viu, destaca os painéis das conversas, com temas atuais, “principalmente aquele em que se falou da ligação às marcas”, e ainda a mostra de artistas na sua generalidade, “em que se permitiu que os artistas tivessem uma parede e pintar à vontade”.

 

 

Em final de conversa, um desafio: se pudesses acrescentar novidades numa futura terceira edição da BALUARTE, o que proporias? “Interessante essa pergunta. Acho que acrescentava mais bancas ao mercado, adicionava também a streetwear e outros produtos mais abrangentes, e dava espaço ao desporto, com demonstrações e BMX e de skate”.

 

Neste momento de “microfone aberto”, o pedido de Tânia fica registado. Próximo!

 

Texto: José Reis

Fotos: Nuno Miguel Coelho e Guilherme Costa Oliveira 

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