O Complexo de Piscinas de Campanhã recebe, neste fim de semana, o 11.º Torneio de Natação Adaptada do Porto. Uma organização da Ágora, em parceria com a ANNP e o Futebol Clube do Porto, que procura valorizar a igualdade no desporto. Mais novos e mais velhos, homens e mulheres, tentam conquistar os melhores tempos para saírem deste torneio ainda mais confiantes me conquistas nacionais e internacionais. Uma dessas atletas é Ana Filipa Castro, do Futebol Clube do Porto, que, através dos seus títulos, presta homenagem aos atletas paralímpicos que ajudaram a construir maior igualdade no acesso ao desporto.
No mercado de transferências de verão, nem só de futebol se faz a história dos clubes. Aliás, nem só no verão de fazem bons negócios, se concretizam desejos antigos, se iniciam novas etapas. Mas, na tradição desportiva, principalmente futebolística, há sempre esses momentos em que as televisões, os jornais e os adeptos ficam mais atentos a essa verdadeira lufa-lufa de chegadas, partidas, de novos atletas, de nomes difíceis de pronunciar.
Talvez a transferência não tenha feito capas de jornais ou aberturas de telejornais, mas foi, pelo menos para ela, a notícia mais importante da década, um passo importante para a consolidação dos objetivos e dos sonhos. No verão de 2024, Ana Filipa Castro, de 27 anos, deixou o clube de sempre para se aventurar num clube com envergadura mundial. “Era uma mudança que procurava, uma equipa muito envolvida, muito comprometida, que trabalha com os mesmos objetivos e que se preocupa com o atleta e com a pessoa”.
Chegou à equipa de natação adaptada do Futebol Clube do Porto depois de 15 anos no Feira Viva Cultura e Desporto, coletivo da terra natal que a acolheu aos 11 anos e que foi responsável pela afirmação da sua veia competitiva. “Fiquei reticente no início, quando percebi que iria integrar um clube a sério”. Porque, antes, Ana apenas fazia natação por indicação médica, “para facilitar o desenvolvimento motor” que a condição física inata lhe traçou como destino.
Primeira competição sem expectativa
Ana Filipa Castro é recordista nacional de várias distâncias, nadadora sem mácula com feitos conquistados a nível internacional, uma atleta com vontade de vencer em todas as provas em que participa. Mas é também uma atleta que podia não ter conseguido superar as circunstâncias que a vida lhe imprimiu deste que nasceu. Ana Filipa Castrou nasceu com mielomeningocele, o grau mais severo de espinha bífida, uma deficiência que fez com que a coluna vertebral ficasse com malformações desde a nascença.
“Não sei o que é viver sem isto. Lembro-me de, aos 6 anos, estar num parque infantil com a minha mãe e não conseguir subir ao escorrega com as duas pernas. A minha mãe ajudou-me e aí tive consciência que teria de me adaptar ao que existia”, resume.
A perna esquerda tem menos capacidade, mas dessa fraqueza não reza a sua história. Depois de perceber que a água é “casa”, quando aos oito meses descobriram, ali, um espaço de liberdade, encontrou no clube da terra o local onde mostrava que conseguia chegar tão longe como os chamados “normais”.
“Quando me meto num desafio levo tudo muito a sério. Ainda me lembro que, aos 11 anos, na primeira vez que participei num Nacional de Natação Adaptada, não tinha a noção do que ia encontrar. Sabia apenas que queria ser a melhor, porque sou perfecionista e para mim só faz sentido se fizer as coisas bem”, conta, entre sorrisos.
Nesse ano, acabou por ganhar uma medalha de prata. Sem expectativas, sem nervosismos, sem receios. A partir de então, o grau de responsabilidade mudou, sempre com essa ambição de ser a melhor – em relação aos outros e até a si mesma.
Talento e Trabalho, Rigor e Competência
Na manhã de Carnaval, a Piscina de Campanhã não está vazia – porque, para estes atletas, ter um feriado não é faltar aos compromissos assumidos por uma força maior. Por entre séries, repetições, metros e metros de águas percorridas, Ana Filipa Castro segue com precisão as indicações das treinadoras. A rotina passa por viagens diárias para o Porto, treinos de piscina e de ginásio, um equilíbrio difícil entre compromissos profissionais e desportivos. “Mas começar cedo a praticar desporto levou-me a ter consciência do que é importante para a minha saúde”, revela.
Essa “consciência” ajudou a que o cansaço se convertesse em força, que a desilusão se transformasse em esperança. Talvez seja isso que contribuiu para que, hoje, ostente, orgulhosa, o título de recordista nacional nos 100 metros mariposa, tenha participado em dois mundiais e conseguido ficar no top-10 desta especialidade, em 2022 e 2023.
“Costumo dizer que para se chegar a um patamar elevado no desporto é preciso um conjunto de fatores e o talento sem o trabalho representa muito pouco”, revela.
Neste domingo compete no 11.º Torneio de Natação Adaptada, que irá encher as Piscinas de Campanhã com atletas que demonstram que para se chegar longe é preciso apenas vencer os preconceitos que estão dentro de cada um. “É necessário trabalho, acreditar que é possível, nunca deixando a paixão e a alegria de competir. Temos de ser constantes”.
Essa constância levará a que tente o melhor resultado na World Series que decorre em Barcelona, dentro de duas semanas, e que possa marcar presença nos Jogos Paralímpicos, dentro de três anos. “É o maior objetivo a longo prazo, conseguir o que outros antes de mim também conseguiram”, sorri. Uma homenagem, um agradecimento, um tributo aos atletas da geração mais antiga que, tal como ela, fizeram dessa diferença mais igualdade, que contribuíram para que o desporto adaptado tivesse a mesma oportunide que as restantes modalidades.
Para que não restem dúvidas, Ana Filipa Castro olha todos os dias, com esperança e certeza, para um galhardete de grandes dimensões pendurado numa das paredes do Pavilhão. Lê-se “Paixão. Ambição. Rigor. Competência”.
E esta, feita de doses iguais, é uma receita que nunca falha.
Texto: José Reis
Fotos: Guilherme Costa Oliveira