Este é um clube de corrida que completa 20 anos de vida, que nasceu com o propósito de unir amigos e conhecidos na prática desportiva em grupo, a fim de combater o sedentarismo e potenciar a atividade física regular. Na contagem decrescente para a Corrida de São Silvestre, que acontece já no próximo domingo, combinámos um encontro – e treino acompanhado – com este grupo no Parque da Cidade. Esta é a última reportagem de uma série de três artigos sobre a prática da corrida na cidade.
Fernando Leite ainda se ri quando recorda o momento em que fez uma corrida “ligeira” no Parque da Cidade do Porto pela primeira vez. “Dei uma volta inteira e no final só não chamei o INEM por vergonha”, diz. Como em quase todos os casos, a primeira experiência não correu bem. “Aos 40 anos sentia-me a perder alguma condição física, com problemas de alergias e enxaquecas frequentes”. Como que por milagre, “tudo desapareceu, com a criação de novas defesas [no organismo]”, e tudo graças às corridas, ao exercício físico e à rotina que decidiu impor a si mesmo.
Aos 63 anos, Fernando Leite completa, em 2022, “20 anos de corridas”, um número redondo que revela um claro foco no combate ao “desmazelo com a alimentação e com a postura”, que foi tentando contrariar com o passar dos anos.
“O trabalho tirou-me a disponibilidade para pensar mais em mim, andamos sempre a correr de um lado para o outro, e em 2002 acabei por tomar esta decisão de fazer algo com a minha vida”, acrescenta, com um sorriso vitorioso.
A história de superação – porque todas estas histórias são de superação, seja qual for o objetivo traçado – é partilhada numa das entradas do Parque da Cidade do Porto, enquanto esperamos pelos colegas que, todos os domingos, se juntam para a habitual corrida.
Sozinhos ou em grupos mais ou menos numerosos, de auscultadores, equipados com gorros (que o frio aperta!), luvas, casacos impermeáveis ou apenas uma t-shirt e uns calções (ah, valentes!), são muitos os atletas amadores que chegam a este verdadeiro oásis verde para o exercício matinal.
Fernando olha para muitos deles, cumprimenta uns tantos, “são pessoas com quem me vou cruzando semanalmente”, aguarda que os companheiros cheguem para iniciar mais uma corrida pelos trilhos que bem conhece. O treino é pontual, “09h30, no máximo, temos que começar”.
Ao seu lado já aquecem, em gestos leves, os “amigos” que, com ele, partilham as manhãs. “São como se fossem ‘manos’”, revela Jorge Marques, que conheceremos mais à frente.
Todos eles – estes e muitos outros que, “por motivos pessoais ou profissionais, não podem estar cá” – fazem parte do Porto Runners, um grupo informal de amigos, conhecidos e interessados que se juntou em 2003 para tornar a corrida “algo mais sério”.
“[Este grupo] surgiu de contactos que fomos estabelecendo, por forma a conciliar o que nos unia, incentivar a prática de desporto e partilhar experiências”, resume Fernando Leite, acrescentando que o número foi já, num passado recente, de “400 elementos”.
Hoje, fruto da frustração de alguns dos participantes, “que não conseguiram dar continuidade a este compromisso ou porque queriam uma evolução rápida demais e depois, com as lesões, acabaram por não voltar”, o grupo é composto hoje por 150 pessoas, de diferentes condições físicas, profissionais e sociais.
Novas rotinas, novos amigos
Alguns deles, cerca de 30, estão prontos para dar início ao treino conjunto desta manhã, no sítio do costume. Antes, aproveitam para colocar as novidades em dia, os assuntos que marcaram a semana, enquanto esticam os braços e alongam as pernas.
“Saio de casa às 09h00 da manhã e só regresso ao meio-dia”, ouvimos. “Aos domingos de manhã já não sei fazer outra coisa que não vir para aqui [Parque da Cidade] e estar com os meus amigos”.
Abel Cardoso, de 60 anos, vai ainda mais longe no desabafo: “a minha mulher até estranha se eu não venho. Acho que a minha mulher já não sabe estar comigo em casa aos domingos de manhã”, acrescenta, a rir.
Este é outro dos atletas que completa duas décadas de corrida, de forma ininterrupta. “Sim, faço parte do grupo de amigos fundadores da Porto Runners”, assume. O desporto começou pelas raquetes de squash, mas “uma hérnia que teimou em dar de si” acabou por o obrigar a mudar de rumo. “Fiquei muito triste, confesso. Mas tive de arranjar uma solução”.
A corrida já fazia parte da sua rotina, mas sem compromisso, sem regularidade definida, “corria quando me apetecia e sempre sozinho”.
Para isso muito contribuiu o apoio de amigos que o incentivaram a olhar para este desporto com outros olhos, que o levaram a criar horários, hábitos, a ter gosto em partilhar a paixão com os outros.
“Para mim isto torna-se sério quando, por algum motivo, não posso cumprir o que tinha estipulado. Fico angustiado, como se me faltasse alguma coisa para o dia ficar completo. O exercício físico passa a ser parte da nossa vida”, diz Abel Cardoso.
Fernando acompanha Abel desde o início. Na realidade, acompanham-se mutuamente. Criaram juntos este grupo informal, que passou a formal (ou mais sério) pela paixão que depositam nele.
“Ao longo de 20 anos fiz inúmeros amigos, é fantástico como se ganham perspetivas novas nestes encontros semanais”, assume Abel Cardoso, logo acrescentando o número de provas em que já participou: “fiz 15 maratonas, nacionais e internacionais”.
Fernando sorri e acrescenta: “Já eu levo 20 maratonas”.
“Acho até que, numa entrevista de emprego, se devia perguntar se alguém faz uma maratona. Isso representa que um determinado trabalhador poderá ter uma resiliência acima do normal”, sugere Abel Cardoso.
Treinar ao ritmo individual
A principal atividade do Porto Runners é mesmo a organização de treinos coletivos abertos e orientados. “Nós gostamos de correr!”, assumem, num manifesto escrito na página virtual.
“Em algum momento das nossas vidas, descobrimos o prazer de uma vida ativa e saudável, e descobrimos também que este prazer de correr pode ser partilhado”, continuam, numa clara premissa de combater “a obesidade, do stress e da inatividade física e com todos os problemas de saúde associados”.
Jorge Marques é o exemplo vivo de que, com esforço, foco e determinação, tudo é possível. Quando tudo parece estar em sentido contrário, há que ter força para mudar. “Foi quando me apercebi que a balança tinha três números. Pesava 102 quilos e não queria aquele valor para mim”.
Passaram 12 anos desde a tomada de consciência sobre os benefícios de uma perda de peso. “Comecei aos bocadinhos, devidamente acompanhado. Fiz quatro quilómetros, depois consegui chegar aos seis. Juntei-me a um grupo, treinei para a minha primeira maratona em 2010 e rapidamente cheguei aos 30 quilómetros”.
Hoje, com o ritmo impregnado na sua rotina – e nas suas pernas –, faz três treinos de corrida por semana e dois de reforço e técnica de corrida, além do encontro semanal com o grupo.
“Quando corro às 07h00 da manhã, o dia fica todo calendarizado, aproveito para mapear o dia todo, o que é fantástico”, assume este atleta amador, reiterando um conselho assinado por todos: “cada um começa com o ritmo que consegue e como pode, estando atento aos sinais que o corpo dá”.