03/05/2024

O Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota volta a fazer história: muitos anos depois do último jogo oficial da modalidade, recebe a 11 e 12 de maio uma grande competição de hóquei em patins, uma Final Four da Liga dos Campeões totalmente jogada em português. As equipas do Futebol Clube do Porto, Sporting, Óquei de Barcelos e Oliveirense protagonizam um verdadeiro sonho para os amantes da modalidade: vão assistir a partidas decisivas que sagrará apenas um como vencedor.

 

Nas bancadas estará um adepto especial, quiçá único: Paulo Alves, o jogador que vestiu as quatro camisolas em épocas diferentes e que, hoje, aos 55 anos, tem recordações que entram na memória de muitos dos adeptos que o viram jogar, com garra, entusiasmo, convicção. Juntar na mesma competição as equipas que representou com o coração (para além do corpo, que ainda hoje apresenta mazelas) é algo que nunca pensou ser possível. Terá o coração dividido em quatro (mas há uma parte que irá bater ainda mais forte).

 

Marcámos encontro com ele no lugar onde tudo vai acontecer: mesmo no centro do Super Bock Arena – Pavilhão Rosa Mota. Como num jogo de hóquei, colocámos a bola em campo e lançámos perguntas curtas para receber respostas rápidas, diretas à baliza. Entre a carreira e as recordações, os melhores e os piores momentos, entre o que fica e o que vai, este é um artigo feito de sonhos, desafios, conquistas e paixões. Que não se explicam, apenas se sentem. Uma retrospetiva de um jogador inigualável, através de uma viagem feita em vários capítulos.

 

 

Comecemos pelo início.

Paulo Alves (PA): Nasci em Oeiras e o meu percurso começou aí. Venho de uma linhagem familiar ligada à modalidade, o meu avô jogou, o meu pai foi guarda-redes, o meu sobrinho joga, o meu filho também experimentou, mas acabou por não seguir este desporto. Comecei de forma natural, até quase que podia dizer que foi a partir da barriga da minha mãe. Joguei no Oeiras, no Sporting, em Barcelos, no FC Porto, em Itália, na Oliveirense e, depois, no final da carreira, passei ainda pelo Infante Sagres. Foi um percurso cheio de conquistas.

 

Qual a tua primeira memória?

PA: Quase nasci com patins, por assim dizer. Como o meu pai era jogador, vi todos os jogos de hóquei em que ele participou. Nasci já com o bichinho e comecei a patinar com quatro anos. O hóquei nessa altura era diferente e eu, com aquela idade, era quase uma mascote, nem tinha equipamento que me servisse, mas sempre se arranjava alguma coisa para vestir e calçar. Lembro-me que esta euforia à volta do hóquei ainda não existia, mas foram tempos fantásticos.

 

Quantos anos de carreira?

PA: Foram 30 e tal anos de patins nos pés. E não me arrependo de nada (sorriso).

 

Tens explicação para esta paixão?

PA: Sabe que as paixões não se explicam, seguem-se. Continua a ser uma paixão, mas sem uma explicação racional para isso.

 

É verdade que o hóquei português é o melhor do mundo?

PA: O nosso hóquei é hoje, seguramente, o melhor do mundo. A prova disso é esta Final Four só com equipas portuguesas. Atualmente temos os melhores jogadores do mundo em Portugal, para além de Espanha e Itália. Mas somos, sem dúvida, o melhor campeonato do mundo.

 

 

Qual foi a tua primeira conquista?

PA: Essa é fácil, foi o Campeonato da Europa de Juvenis em Palma de Maiorca (Espanha) em 1985.

 

E a maior desilusão?

PA: Não ter ganho a Medalha de Ouro nos Jogos Olímpicos de Barcelona 1992. Fomos eliminados numa meia-final com a Espanha, a jogar em Espanha… Se me pergunta se fomos prejudicados? Sim, claro que fomos prejudicados. Ficou-me entalado isto, não minto. Mas de resto ganhei tudo.

 

E o maior orgulho?

PA: Campeão do Mundo por Portugal em 1991, aqui mesmo, no Pavilhão Rosa Mota. Nos anos 90 ganhámos tudo o que tínhamos a ganhar, na Europa e no Mundo, enquanto seleção.

 

Qual a camisola que mais gostaste de vestir?

PA: Gostei de vestir todas, mas a que me ficou mais foi a do [FC Porto, é a que sinto mais, apesar de todas me terem dito muito, porque joguei nestes clubes durante muitos anos. Comecei nos seniores do Sporting aos 18 anos, deixei a competição na Oliveirense, aos 39 anos. Há carinho por todas elas.

 

 

E qual o melhor treinador com quem trabalhaste?

PA: Os treinadores influenciam-nos de igual forma. Na minha carreira sempre tive muito bons profissionais que me foram influenciando, como o [António] Livramento, o Cristiano [Pereira], fui campeão do Mundo com eles. Mas também o Zé Fernandes e até o meu primeiro treinador no Sporting, com quem ainda estou de vez em quando. São fundamentais na nossa motivação ou desmotivação. Foram realmente obreiros da minha carreira. Só tenho de lhes agradecer.

 

Qual foi a maior surpresa?

PA: Sem dúvida o projeto que encontrei em Barcelos. O hóquei jogava-se nas grandes cidades, o resto era muito flutuante, e quando vou para Barcelos entro num projeto que rapidamente se transforma numa equipa vencedora. Não estava à espera que fosse um projeto tão organizado. Estávamos em 1989 e encontrei um clube que sabia o que queria. E conseguimos.

 

Qual o campo mais especial em que jogaste?

PA: Aqui onde estamos, no Pavilhão Rosa Mota, sem dúvida. Foi o local onde o meu pai jogou e onde joguei também, há essa relação familiar especial que aqui se materializou.

 

 

Ficaram amigos do hóquei?

PA: Pelas equipas por onde passei ainda mantenho amigos, alguns fui deixando com o tempo, mas por onde passei sempre criei amizades fortes. Mas também criei alguns inimigos (risos).

 

Qual deles é o mais especial?

PA: Há um, sem dúvida: o Pedro Alves. Não tem relação familiar comigo, apesar do apelido, mas jogámos juntos desde o Sporting até ao Futebol Clube do Porto, de 1984 a 2001. Jogámos juntos na seleção, sempre nos demos bem e encontrámos pontos em comum. Hoje ele vive na Suíça, mas a amizade mantém-se.

 

Qual a tua mais-valia desportiva?

PA: A competitividade, sem dúvida. Sou muito competitivo no que faço, ainda hoje.

 

E o teu pior defeito?

PA: Falava demais com os árbitros (risos). Mas nunca lhes faltei ao respeito, nunca os insultei e eles podem confirmar. Mas refilava bastante. Era o meu calcanhar de Aquiles.

 

Tinhas mau perder?

PA: Ui, se tinha. Não gosto de perder a nada, ainda hoje. Para sermos bons no desporto, não pode existir o “bom perder”. Esconder os sentimentos quando estamos menos bem nunca foi algo que consegui fazer.

 

 

Como vês a nova geração?

PA: É uma geração muito diferente da minha, é um jogo mais físico, mais direto, não é um jogo tão rendilhado como aquele que tínhamos na altura. Hoje dá gosto ver a quantidade de miudagem a aprender. Mas, infelizmente, há bons e maus professores e os resultados estão à vista. Nem toda a gente sabe ensinar. O hóquei tem futuro, mas se for bem dirigido será ainda melhor.

 

Qual a melhor recordação que fica para sempre?

PA: Ser campeão aqui, no Rosa Mota e ser considerado o melhor jogador do Mundo em 1991. Sou campeão e sou o melhor. Acho que na altura não tive bem noção do que isso quis dizer, quando termina estamos com aquela adrenalina toda e só depois de descansar é que tomamos consciência disso. Foi um ano muito especial.

 

Tens saudades?

PA: Tenho (pausa). Sim, tenho saudades, foi uma parte importante da minha vida de atleta. Mas foi um desporto que puxou muito por mim, de atleta cheguei a Presidente do Clube Infante Sagres, passando para o outro lado das decisões. Fiquei cansado, vamo-nos afastando, mas o gosto fica sempre lá. Hoje praticamente não vou aos ringues, mas continuo a acompanhar pela televisão, gosto de ver.

 

Entrevista: José Reis

Fotos: Rui Meireles

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